segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Jorge Mautner faz 70 anos hoje! Viva o mestre!


Depois de mais de dez anos sem virem a Teresina, Jorge Mautner e Nelson Jacobina se apresentaram no III Festival de Teatro Lusófono, no histórico dia 20 de Novembro de 2010. Foi uma apresentação histórica por vários motivos: o evento teve muito da sua programação cortada porque o Governo do Estado do Piauí havia se comprometido em patrocinar uma parte considerável do Festival e não o fez – primeiro mandou simplesmente cancelar e, posteriormente, ajudou com uma quantia bem inferior a que fora combinada – político maltratando cultura é um triste clichê. Mautner e Jacobina estariam entre as atrações canceladas, mas eles foram super-fraternos conosco e vieram mesmo sem cachê imediato; além disso, todo o FestLuso, incluindo o show, foi grátis!; e, para mim, a vinda do Jorge e do Nelson foi mais que alegremente irresvalável porque a banda que faço parte, a Validuaté, ainda abriu o show dos dois no Espaço Cultural Trilhos. Um obrigadão e gracias e um merci beaucoup imensos ao ator e coordenador Francisco Pellé – importantíssimo nesse encontro. Mautner ficou em Teresina da meia-noite do dia 19 até a tarde do dia 21. Nesse pouco tempo na cidade, ele participou conosco de uma gravação em estúdio da música SUPERBONDER, composta em 2004 – que fiz após ouvir Tataraneto do Inseto e na qual o homenageio. E Mautner ainda topou ser entrevistado por mim na manhã de domingo, mesmo tendo dormido bem tarde devido ao show de sábado. Conversamos gargalhadamente durante uma hora e meia no CaJus – Centro de Assessoria Jurídico-Social – e outro obrigadão ao Gustavo Amorim, advogado que nos autorizou a usar o CaJus. Tudo foi filmado: estamos na pós-produção das imagens e o vídeo sobre esse encontro circulará em breve. Na entrevista, estávamos toda a equipe envolvida no registro do Mautner e Jacobina em Teresina: Mayra Brandt, Lívia Medeiros, Meire Fernandes, Aristides Oliveira e Denes Filho – todos contentes e empenhados. Estava presente também o grande artista plástico Amaral, que acabou sendo levado por nós e presenteando Jorge e Nelson com alguns números da revista Hipo Campo – seus trabalhos na vanguarda dos quadrinhos. Falando em artista plástico, agradeço caloroso e fraternalmente ao Joniel Veras, parceiro e irmão Indiano, que me chamou a atenção sobre o Jorge Mautner estar como o único exemplo de “poeta maldito” brasileiro na Wikipédia. Boa vida longa a Jorge Mautner e Nelson Jacobina! Tomara que a injustiça diminua e eles sejam reconhecidos como merecem! E, por tamanha contribuição à cultura brasileira, eles merecem tudo. Já se sinaliza o dia em que vai ser comum ouvirmos o que eu previ e disse na música SUPERBONDER: “Ei, mãe! Ei, mãe! Já tem criança dizendo que, quando crescer, quer ser o Jorge Mautner! Ei, mãe! Quando eu crescer, eu quero ser o Jorge Mautner!”

PS: a entrevista ficou enorme de 40 páginas e tomaria a o blog inteiro. Então copiei estes trechos da conversa e, numa maior oportunidade, publicarei a entrevista completa.

Thiago E

[falando sobre a melancolia que percorre toda sua obra]

Jorge Mautner – Eu tava muito melancólico e tava no pessimismo de Schopenhauer. A tristeza mesmo numa visão geral. Mas ela se modificou antes mesmo de eu ter consciência disso. Lá no Candomblé eu já sentia a alegria toda... Mas houve um fenômeno. Eu não conseguia escrever... aí eu li o Padre Antônio Vieira. De repente, olha que fantástico: li muito o Padre Antônio Vieira... Foi assim: ele chegou aqui, deu um estalo nele e ele começou a escrever sem parar.

Thiago E – Teu pai que trouxe o Vieira?

Jorge Mautner – É, exatamente. Toda literatura, trouxe tudo, tudo... pessoa genial. E aí eu imitei, eu mimetizei o estalo dele pelos contrários: então tinha toooda aquela chuva! Enevoada [contraindo os braços com força]! e de repente começou aquela chuva forte e eu adorei! Quanto mais pesada ficava, o relâmpago... Melhor! Aí eu fiquei muuuito alegre. Então foi o contrário – uma coisa que me dava tristeza eu transformei, nesse instante. Lendo o Padre Antônio Vieira, tive um estalo e comecei a desencadear a escrever – que é meu estilo até agora. Mais tarde, o Flávio de Carvalho, que era o pós-modernista, ele foi o primeiro a ler meus textos. Ele disse muita coisa. Ele disse: “Mas parece literatura indígena!” Fantástico, né? E eu fiquei muito contente [risos]! [tentando representar a fragmentação do seu estilo] Ê, ê, ê, ô, que, nem, e tal... Mas minha literatura toda, minha visão toda tem coisas substanciais. Não só arquetipais, são obsessivas. E é uma linguagem que, se você quiser, trata de coisas muito complexas e infantil também, se você quiser... Direta! Ajuda muita gente a desencadear estilos e tudo... sem mistério. Começar a escrever [escrevendo na própria mão]: “Estou aqui falando com o Thiago... outras pessoas estão presentes...”. E direto, tudo, escrevendo. Inclusive eu dou aula de literatura, a criança descreve, depois bota movimento...

Thiago E – Durante a escrita do livro Deus da Chuva e da Morte, tu reescreveu alguma coisa?

Jorge Mautner – Não. Aí é que tá: nada reescrito. Havia outra coisa gozada. Hoje em dia eu faço muito berço, mas... [gesticulando pra baixo, decisivamente] ...é intocável! A literatura é sagrada! No momento em que eu escrevo, mesmo o erro que eu fiz eu não posso apagar – tem de ser mantido. Tem trechos do livro em que a palavra sai errada. Eu ía escrever, sei lá, “automóvel”, sai “autilúmil”. Mantive a forma errada e, entre parênteses, tinha: “tive que manter essa forma errada pela autenticidade total...” Então, é exagero, né? Mas, tudo bem, tem isso [risos]. E depois tem a outra coisa que as coisas vêm num caudal. Quando eu vou fazer uma história, é claro, cê fica pensando, se influenciando... Chega uma hora que tudo se junta e forma um todo que sai... Que nem toda letra, poesia, tem sua música. Mesmo a música tem uma música por dentro. E na totalidade tinha essa musicalidade e essa autenticidade louca que inclusive eu não sei nem como eu não fui processado porque eu publicava cartas de amor e tal com o nome das garotas – e é tudo verdade aquilo, tudo, tudo ali ocorre! Então era um exagero de Existencialismo praticado... Um brasileiro influenciado por uma linguagem indígena – assim como Flávio – e mostrando a Nova Era, a Nova Coisa, situações simultâneas, trazendo histórias que têm três fins, você escolhe. Mas principalmente mostrando a importância da arte que era considerada popular... e ela é igual à arte a mais fina. Então Mozart igual Pixinguinha, Noel Rosa... a literatura não tem diferença. E essa proclamação de influências, da música caipira... importantíssima, né. Era um preconceito muito grande que se tinha. Eu citava autores estrangeiros, mas sempre pra mostrar que a cultura dos países – que não o nosso – era, de certa forma, um pouquinho menos impressionantes do que nós [risos]. Eu chego a afirmar assim num momento de ópio, imagina... (eu tinha conhecimento erudito, alemão, Beethoven, Mozart...) “Araci de Almeida é igual Beethoven, embora ligeiramente superior”. [gargalhadas].

Mautner defendendo o pan-brasilianismo...
EM BREVE - num escrito perto de você.

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