sexta-feira, 6 de maio de 2011

Morreu a poesia, nasceu uma outra. Nasceu a fábula de ser herói novamente, a sede do sangue num mundo tecnológico, a necessidade da merda por cima da higiene. O fluxo e refluxo, as rosas e as margaridas se beijaram vampirescamente. [...] 

Lembre-se, minha filha, de que toda a sabedoria dos sábios diz só isto: Tenha sempre bom humor, nunca leve as coisas muito a sério, seja sempre leve como uma bola de futebol. Seja leve, muito leve. Rindo. [...]

Das minhas andanças com os índios, recordo o amor à lassidão, as estrelas interligadas por um fio, as lanças mergulhadas em chamas de guerra e algumas interpretações etnológicas com um leve toque de Rosseau. Á gua cristalina dos sacerdotes astecas. Como sofro pelo Brasil não ter sido pisado por astecas! E, ao mesmo tempo, comemoro tal fato gritando bem alto nossa inocência, nosso esquecimento, nossa falta de memória, nosso cérebro despido de passados e pesos e velharias. E uivo saudando aquilo que vem ululante que nem um meteoro. E que é o futuro!

O futuro é um pássaro que vem, já cansado de ser avião. [...]

Desejo perder-me nos ritmos e neblinas das lendas dos índios bororos, mas não posso. A fuligem das fábricas entrou-me demais pelos olhos, carne e cérebro, para que ainda possa ter a inocência das pradarias. Mesmo nas visões gloriosas da pureza é o cinema que me fornece a imagem. A mesma luz elétrica perfurando o celulóide constrói os meus modelos míticos. Novamente, a indústria fundamental, a máquina que é nossa mão mais poderosa, as negações sentidas numa síntese que explode em guerras ocultas, declaradas, regionais, totais... [...]

Jorge Mautner |colaborador honorário da A.O.|
trecho do livro FRAGMENTOS DE SABONETE - escrito em Nova York, em 1971.

Nenhum comentário:

Postar um comentário